Vamos lutar pela volta do trem?

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domingo, 12 de fevereiro de 2012

O FANTASMA

                                                 (onde o autor, Manuel Bandeira, fala de Campanha e Cambuquira)
                               Manuel Bandeira
Fotografia de Manuel Bandeira - biografia e livros
(Extraído do livro Poesia e Prosa / Volume II – Ed. Nova Aguilar).

Quando tomei o trem para Campanha, pensei comigo que se encontrasse por lá alguém conhecido, ele havia de me tomar por um fantasma. Na verdade, ao chegar à velha cidade da Princesa da Beira, eu mesmo tive a impressão de ser um fantasma. Desde a estação encontrei mudanças. Em 1905 havia a estação e, separando esta da cidade, que fica num morro, um descampado barrento, ande o sal jaisait rage. Construíram uma dupla calçada da estação ao morro, à direita plantaram uma matinha de eucaliptos e à esquerda cavaram um lagozinho, onde a garotada toma banho. Marchei para o hotel ao pé do morro e quando me vi no quartinho meio sujo, fiquei meio que arrependido de ter deixado as comodidades do Hotel Silva, em Cambuquira. Descansei umas duas horas e então subi, muito curioso, a Rua Direita, que vai dar no Largo da Matriz, hoje Praça D. Ferrão. Verifiquei que eu era um camelo em 1905. Pois não senti então o que sentia agora: um prazer delicioso diante das velhas casas coloniais autênticas, quadradas, as quinas dos telhados com telha em forma de asa de pombo. O Largo também encontrei melhorado. No meu tempo não havia nada; era um declive nu, com capim junto às calçadas.
Lá fizeram um pa:seio de cimento no centro, ladeado de cedros. As casas todas no mesmo, salvo a novidade de um Teatro Municipal, edifício execrável. Ele e a matriz reformada estragaram bastante o aspecto genuíno do Largo. A igreja 1 velha era esse barroquinho pobre e tão simpático que há em toda velha cidade do Brasil. Reformaram-na, abrindo-lhe janelas em ogivas. Quando me em frente da casa onde vivi e passei por tantos sofrimentos, senti um nó na garganta. A casa está igual. Junto, a mesma farmácia. E junto da farmácia, a casa de Donana. Não quis logo procurar Donana, deixei para depois do jantar. Fui dar os passeinhos que fazia em 1905. Passei pelos fundos da matriz, desci a Rua do Fogo, onde fica a segunda casa onde morei. A primeira era

térrea, esta era um sobradão colonial com cinco janelas de frente e nove de lado! Com grande quintal atrás e mangueiras e outras árvores. Está muito estragada e soube que foi vendida por 12 contos. De novo senti o nó na garganta. Me lembrei de uma porção de coisas, inclusive de Violinha, uma nossa cachorrinha amarela, que uma manhã amanheceu morta na escadinha da entrada. Voltei para o hotel, jantei meio horrorizado com a cara do garçom, que parecia leproso, e logo depois do jantar subi ao Largo. Havia Via Sacra na matriz, entrei um pouco. Pensei: quantas vezes minha mãe e minha irmã deviam ter rezado por mim ali! Saí, dei umas voltas pelo Largo e me dirigi à casa de Donana. Em 1905 Donana era um brotinho, de carinha muito fresca, muito cor de rosa, e uma dentadura perfeita. Donana mudou bastante, não tanto, porém, quanto eu temia. Ficou com o teint tanné heróico das mães de família do interior. A dentadura resistiu bravamente, como um reduto. Via-se que ela se tinha defendido ali. Indaguei de todo o mundo e ela me contou coisas de minha mãe e de minha irmã, coisas que eu não sabia e que me fizeram bem, como certos retratos que a gente não conhecia. Quando saí de lá, a cidade estava deserta e silenciosa, fazia um luar estupendo. Vocês sabem o que é um luar estupendo no Largo da Matriz de uma cidade do interior? A tal Rua Direita estava um encanto. Custei a me decidir a entrar no hotel.

A saída, às 5 da manhã, é que foi uma delícia para o fantasma. A lua ainda ia alta no céu. O lagozinho artificial com a saparia coaxando, umas neblinas se rasgando, os eucaliptos, tudo isso no crepúsculo da madrugada formava um quadro inesquecível.

  Às 6:35 o fantasma reencarnou no dia já claro na estação de Cambuquira e foi diretamente lavar o fígado na fonte magnesiana.         (grifos nossos)    

 27/6/1956

Texto enviado por Angelica Andrès.
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